Memória Cinematográfica

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À Deriva

Estreia Nacional 31 julho 2009

“À Deriva”, segundo o dicionário Michaelis, significa, entre outras opções, “desvio do rumo”, “ao sabor da corrente”. Mas “À Deriva” é também o filme dirigido por Heitor Dhalia (“O Cheiro do Ralo”) sobre uma família de classe média que vai passar as férias na praia. E, nas areias de Búzios, litoral no Rio de Janeiro, Filipa (a estreante Laura Neiva), uma adolescente de 14 anos, flagra a traição do pai, Mathias (Vincent Cassel, de “Inimigo Público Número 1 – Instinto de Morte”), um escritor francês. E é com elementos como esse, sempre a partir do olho da menina, que é contada a história sobre sua família, como seus pais vão lidar com a possível separação, e como tudo ficará à deriva.

Situado no final dos anos 1970 e início dos 1980, o longa-metragem, que estreia nesta sexta-feira, dia 31 de julho, é intimista, conta também a história da mãe, Clarice (Debora Bloch, de “Bossa Nova”), e dos dois irmãos: Fernanda (Izadora Armelin) e Antônio (Max Huszar).

Durante 100 minutos, o espectador vai conhecer como é a rotina deles durante as férias de verão, quem são os amigos das crianças, como se divertem, além, é claro, das confusões que aprontam: afinal, são adolescentes! Namoram, brigam. E as lentes de Dhalia abusam das cenas em close, da câmera oculta (mostrando o ponto de vista da personagem). Com intimidade no assunto, Dhalia prova que há algo de biográfico na obra, uma vez que ele se inspirou em sua história pessoal para desenvolver a separação do casal, já que seus pais também se separaram.

Embora o motivo da traição de Mathias não seja claro no início, ainda assim é possível simpatizar por ele, porque a mãe das crianças é sem graça, se embriaga (chega a desmaiar), além de dizer coisas malcriadas e repletas de cinismo e sarcasmo para o marido em frente aos filhos e aos amigos.

E na luta de terminar de escrever (à máquina) o romance, Mathias se mostra alheio aos problemas pelos quais passa e aproveita esses episódios “reais” para incluí-los em sua ficção. A rejeição da mulher ele cura indo, todas as tardes, visitar Ângela (Camilla Belle, de “10.000 a.C.“), uma bela americana que é fã do escritor.

O clímax do filme é quando o casal decide se separar e comunica o fato aos filhos, que não aceitam e, portanto, há um outro problema.

Dhalia, autor do roteiro ao lado da colaboradora Vera Egito, sabe delinear essas personagens, construir os diálogos e fazê-las cair nas graças da plateia. Há, porém, cenas desnecessárias que não acrescentam nada à narrativa e não são bem desenvolvidas, como quando Laura briga e faz as pazes com o namorado; quando se envolve com o barman; quando vai passear de barco com um conhecido; quando conhece Ângela; quando o pai sai debaixo de chuva à sua procura, entre outras.

As imagens captadas pelo diretor de fotografia Ricardo Della Rosa fazem jus ao espírito da fita, principalmente porque a praia exuberante é mostrada, inclusive debaixo da água transparente, costrastando com o cinza da tensão e da traição. Destaque também para a direção de arte que remete à época em que a fita se passa, e para o figurino concebido pelo estilista Alexandre Herchcovitch em seu segundo trabalho para o cinema.

Cassel contribui para a construção do seu personagem, mesmo que Dhalia não havia pensando em um francês quando escreveu o roteiro, principalmente porque fala um bom português (carregado de sotaque, é verdade), mas leva consigo o jeito de bon vivant, queimado de sol, brincalhão com as crianças.

Debora Bloch, é preciso dizer, é uma das melhores coisas do filme (se não a melhor), que faz com que sua personagem se transforme e faça com que o público note (e reconheça) essa mudança, principalmente porque, embora ela aja corretamente, existe uma repulsa por ser seca, dura, desagradável no trato com o marido e os filhos, de modo a ser egoísta e só pensar em si mesma (atipicamente para uma mãe). E a química entre os dois atores funciona, eles chegam a trocar frases em francês quando discutem (vale lembrar que Débora foi casada com um francês).

Embora a trilha sonora composta por Antonio Pinto (“Cidade de Deus”) contribua para a dramaticidade do filme, ela não cessa, estando presente insistentemente durante toda a projeção.
Outro problema é que ela se repete quando o personagem aparece, tal como se fosse uma novela, enfraquecendo seu uso.

“À Deriva” é um longa-metragem da nova safra nacional, que não aposta em rostos conhecidos como apelo para a bilheteria, mas sim na força do ator, na sua interpretação em contar uma história com uma boa direção. A fita tem os seus méritos, por retratar com precisão passagens comuns da adolescência e das famílias. Usando a metáfora das pessoas boiando no mar, à deriva, Dhalia conta uma história envolvente, mas ainda falta um elemento essencial: a emoção.

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