Memória Cinematográfica

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Mesmo Se Nada Der Certo

Estreia GQ 16 julho 2014

Em 2008, o diretor irlandês John Carney mostrou aos brasileiros um musical moderno. Era “Apenas Uma Vez” (“Once”), filme que conta a história de um músico de rua (vivido por Glen Hansard), que conhece uma garota tcheca (Markéta Irglová) e ela lhe diz que seu hobby é tocar piano. Hansard não era ator, era líder da banda The Frames, mesmo grupo no qual Carney era baixista. Além de mostrar belíssimas canções interpretadas por dois musicistas competentes, o longa-metragem serviu para mostrar que é possível contar boas histórias pelo intermédio de músicas.

Em “Mesmo Se Nada Der Certo” (“Begin Again”), nova produção do diretor, foi escalado Mark Ruffalo (“Ensaio Sobre a Cegueira”) para interpretar um descobridor de talentos musicais falido, que saiu de casa deixando para trás a mulher (Catherine Keener, de “Capitão Phillips”) e a filha adolescente (Hailee Steinfeld, de “Bravura Indômita”). Até que é demitido da empresa que ele mesmo ajudou a fundar dez anos antes.

Depois de conhecer Greta (Keira Knightley, de “Orgulho e Preconceito”) cantando em um bar, acredita que ela tem potencial e pode ser a sua porta de entrada de volta à gravadora. Sem dinheiro, corre atrás das improvisações necessárias e, nas ruas da “city that never sleeps”, gravam um álbum completo com composições da moça. Alguns cenários são clichês, como em frente ao Empire State Building, no barco no lago do Central Park, mas há também becos, estações de metrô e vários locais que fazem de Nova York uma cidade única.

O diretor conta as histórias de seus personagens separadamente em flashback. Primeiro, mostra quem é o tal produtor e como ele foi parar naquele bar. Na sequência, quem é Greta e o que aquela britânica arrumadinha está fazendo sozinha em Nova York. Como o tal produtor diz, “ninguém vem para Nova York sozinha sem ter passado por algum problema”. A personagem, aliás, mostra que é capaz de transformar seu sofrimento (ela tem muitos motivos para tal!) em letras de músicas lindíssimas, depois de viver ao lado do rock star Dave (Adam Levine).

Mesmo que ela tenha pinta de patricinha e Ruffalo um jeito, digamos, mais largado, com cabelo desgrenhado e barba por fazer, a química dos dois funciona no longa.

Em alguns momentos, a produção cita filmes e seus personagens, bem como músicas e bandas. Compara, por exemplo, que não se trata de Jerry Maguire, personagem de Tom Cruise no filme de mesmo nome que ajuda um jogador de basebol dar a volta por cima. E também compara a filha com a personagem de Judie Foster em “Taxi Driver”, por usar roupas sumárias. Refere-se a “Casablanca” quando diz que a música favorita, “As Time Goes By”, faz parte de sua trilha sonora. E diz, com todas as letras, que Bob Dylan é um cantor produzido, tudo o que não querem ser.

“Mesmo Se Nada Der Certo” não é um filme de autoajuda, como é capaz de parecer ser com este título. O longa discute a indústria musical atual (e também as editoras de livros), os rios de dinheiro que seus comandantes recebem em cima das pessoas criativas. Fala também de amor, de como as pessoas se transformam ao longo dos anos, se tornando irreconhecível.

Novamente, Carney mistura sotaques e mostra que é possível contar lindas histórias de amor (e outras nem tanto) utilizando as canções, sem querer se parecer com os musicais dos anos 1940 – que têm importância, mas se tornaram clássicos e não precisam ser repetidos.

Texto originalmente publicado na GQ.

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